PRF/PRP em medicina dentária: evidências reais ou tendência?
A promessa soa bem: menos dor, feridas que fecham mais depressa, implantes a “pegar” melhor. PRP e PRF são concentrados do próprio sangue do doente, ricos em plaquetas e factores de crescimento que atuam como um arranque biológico para a reparação dos tecidos. O desafio é separar o que está demonstrado do que ainda é entusiasmo. O objetivo deste texto é simples: explicar, em português claro, onde a evidência é sólida, onde continua cinzenta e como tomar decisões informadas sem ceder a modas.
PRF e PRP: como funcionam e em que diferem
PRP é um concentrado líquido de plaquetas preparado com anticoagulante. PRF forma um coágulo de fibrina sem anticoagulante que pode ser utilizado como membrana ou fragmentado. Em termos práticos, o PRF liberta factores de crescimento de forma mais lenta e sustentada e fornece um “andaime” físico que protege o coágulo e os tecidos moles. O PRP, por ser líquido, difunde-se mais facilmente e é usado como adjuvante em algumas técnicas de enxertia. A escolha não é preto no branco. Depende do objectivo clínico, do protocolo de preparação e da técnica cirúrgica. Importa também reconhecer que protocolos e kits diferentes produzem concentrados diferentes, o que explica parte das discrepâncias entre estudos.
O que a evidência confirma com maior consistência
Extrações de terceiros molares e outras cirurgias simples dos dentes do siso são o domínio onde os resultados se repetem: menor dor nos primeiros dias, menos edema, cicatrização de tecidos moles mais favorável e redução de complicações como alveolite em vários estudos. O tamanho do efeito é pequeno a moderado, mas clínico. Para quem precisa de retomar trabalho, estudo ou treino, estes dias de conforto contam. Em implantologia, usar PRF como adjuvante pode melhorar discretamente a estabilidade secundária do implante e a qualidade dos tecidos moles peri-implantares nas primeiras semanas e meses. Não é um salto dramático, mas ajuda no conforto, na selagem marginal e na higiene em redor do implante, aspectos que pesam na experiência e no controlo inflamatório.

Áreas com resultados mistos e o que ainda falta estudar
Na elevação do seio maxilar, somar PRF ao material de enxerto parece beneficiar alguns desfechos de estabilidade e conforto, mas os ganhos em novo osso e altura óssea não são consistentes entre estudos. Na periodontia regenerativa, combinar PRF com técnicas estabelecidas pode melhorar indicadores como nível de inserção clínica e preenchimento ósseo em determinados defeitos, embora os efeitos variem e a heterogeneidade metodológica continue elevada. Em endodontia cirúrgica há trabalhos a sugerir menos dor e melhor cicatrização radiográfica com PRF, mas o corpo de evidência ainda é limitado e com protocolos pouco padronizados. Resumo honesto: promissor em vários cenários, definitivo em poucos.
Segurança, logística e variabilidade de protocolos
Por serem autólogos, PRF e PRP têm um perfil de segurança favorável. O risco principal não está no produto em si, mas na execução: colheita estéril, centrifugação adequada, tempo entre a centrifugação e a aplicação, contacto correcto com o leito cirúrgico. A variabilidade entre kits, forças g e tempos de centrifugação influencia a densidade de fibrina, a quantidade de leucócitos e a libertação de factores ao longo do tempo. Em termos logísticos, há custo, tempo de cadeira e necessidade de equipa treinada. Convém portanto ponderar benefício incremental versus complexidade acrescentada em cada indicação.
Como decidir de forma informada
Perguntas úteis antes de propor ou aceitar PRF/PRP: qual é o desfecho que mais importa neste caso concreto — conforto nos primeiros dias, cicatrização de tecidos moles, estabilidade inicial do implante, ganho ósseo mensurável? Existe evidência razoável para esse desfecho naquela indicação específica? Há alternativas padrão equivalentes sem aumento de complexidade? O doente compreende que se trata de um adjuvante e não de um substituto de técnica, higiene e controlo de factores de risco como tabaco ou bruxismo? Com respostas claras, a decisão tende a ser correcta. Em geral, PRF faz mais sentido quando valorizamos conforto pós-operatório e qualidade dos tecidos moles; o papel em regeneração óssea volumétrica é, por enquanto, complementar e dependente da técnica base.
Conclusão
PRF e PRP não são varinhas mágicas. São ferramentas biológicas com utilidade real quando usadas com critério: melhoram de forma modesta a dor e a cicatrização inicial após extrações, e podem optimizar tecidos moles e estabilidade precoce em implantologia. Em sinus lift e periodontia os resultados existem, mas são menos uniformes e exigem indicação bem escolhida. O ponto de equilíbrio está em alinhar expectativas, escolher o desfecho que interessa ao doente e usar o adjuvante apenas quando aumenta a probabilidade de chegar lá de modo mensurável. É assim que a ciência se separa do hype.
Referências
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